Apresento aqui algumas lendas e crendices
que ouvi de várias pessoas em várias regiões do Brasil sobre os répteis e
anfíbios, sendo a maioria delas sobre cobras.
Cobras
que andam somente de casal:
Varia a espécie de região para região, na Amazônia é a
Surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta)
e no Sudeste a Urutu-cruzeiro (Rhinocerophis
alternatus) ou a Jararacuçu (Bothrops
jararacussu). Diz a lenda que essas cobras só andam em casal. Quando
pergunto para os que me contam se eles encontraram o casal junto, eles respondem
que não, que mataram uma e em outro dia ou semana mataram a outra próxima ao
local da anterior.
Sucuri
que engole boi e a de
50 metros
de comprimento:
A sucuri (Eunectes murinus) pode até
matar animais grandes como um boi, mas consegue engolir no máximo um bezerro.
Existem muitas lendas sobre essa espécie de grande tamanho, que pode
ultrapassar dez metros de comprimento. Existe o registro de um exemplar de
11,5 metros
da Comissão do Marechal Rondon pelo Mato Grosso e Rondônia, apesar que muitos
questionam a veracidade sobre o tamanho do espécime. No imaginário popular na
Amazônia, pessoas relatam exemplares de
15 metros
e até de 50. Dizem que essas de
50 metros
vivem debaixo da terra, próximas a rios e quando limpam sua toca, o rio
aparece com uma cor diferente (“branco”) de um líquido ou então cheio de
sujeiras. Quando ela vem pelos igarapés chega derrubando várias árvores,
causando grande estrondo, podendo também ir escavando barrancos nas margens dos
rios.
Sucuri
Grande
cobra que vive debaixo da cidade:
Essa lenda existe em várias cidades pelo Brasil, desde o sul até a Amazônia.
Uma grande cobra esta dormindo debaixo da cidade, com a cauda debaixo da igreja
e a cabeça no lago ou no rio. Um dia ela irá acordar e irá fazer tremer a
terra.
Sucuri
e Jibóia que hipnotizam:
Essas lendas que cobras hipnotizam podem ter tido origem com a observação
desses animais pelas pessoas, mas que com a visão antropocêntrica tiraram
conclusões erradas a respeito de uma provável cena: Imagine uma Jibóia (Boa
constrictor) caçando de espera, camuflada em meio a um chão repleto de
folhas secas, e um pássaro se aproxima incauto, sem perceber a serpente, e vai
cada vez se aproximando mais, até que fique na distância que ela pode abocanhá-lo
com um bote e, o pássaro é capturado por ela. Aqui um caboclo pode concluir
que a Jibóia hipnotizou o passarinho. Se Sucuri hipnotizasse, imagine o
trabalho que os funcionários do Butantan teriam para remover os visitantes
colados no vidro do cativeiro onde tem algumas vivas. A lenda prossegue dizendo
que para “desencantar” a vítima que pode estar caminhando hipnotizada pela
Sucuri que o aguarda nas margens do rio, é necessário colocar uma faca na boca
da pessoa. E quando a Sucuri enrola em alguém, basta passar uma faca ou
canivete em direção contrária as escamas ventrais que ela solta a vítima.
Jibóia
O
café com lagartixa que matou os quatro netinhos:
Diz a lenda (Essa eu ouço desde criança no interior de SP!), que uma Avó vai
coar um café (ou chá, as lendas apresentam variações!) e daí cai no coador
uma Lagartixa-de-parede (Hemidactylus mabouia) ou uma aranha. Após servir a bebida, um a um
as crianças vão caindo mortas. Essa lenda urbana está tão enraizada na mente
de algumas pessoas, que uma aluna chegou a discutir comigo dizendo que era
verdade, que ela quando criança era vizinha delas no interior de Minas Gerais.
Lagartixa-da-parede
Cobra
da mangueira:
Essa lenda urbana conta sobre uma criança que ao beber água numa mangueira
engole uma cobrinha (Jararaquinha) e a mesma pica ele dentro do estômago,
matando-o.
Coral
na verdura de um supermercado ou na piscina de bolinhas no shopping:
Uma criança no carrinho de compra fica reclamando para a Mãe que esta levando
uns choques e quando ela vai verificar, encontra uma Coral-verdadeira (Micrurus
sp.) entre as folhas de uma verdura (alface, repolho) que deu várias mordidas
em seu filho. A outra lenda urbana é da criança que brincando na piscina de
bolinhas de um local (geralmente shopping) é também picado ou mordido por uma
cobra.
Coral-verdadeira
Cobra
que deixa o veneno na folha para atravessar um rio: Essa
diz que as cobras venenosas deixam o veneno em uma folha para poderem atravessar
um rio, pois se não podem se envenenar e morrerem. Ao voltarem pegam o veneno
de volta na folha.
A
vítima de acidente ofídico não pode atravessar riachos:
Segundo essa crença (ouvi no interior de SP), a pessoa picada de cobra não
pode atravessar um córrego senão o veneno a mata na hora.
A
cobra que mama:
Essa lenda diz que a Caninana (Spilotes
pullatus) mamaria na mulher lactante e durante isso colocaria a ponta da
cauda na boca do bebê para este não chorar. Nem a morfologia da boca e nem sua
fisiologia (enzimas necessárias para degradar o leite) estariam adaptadas para
isso. A origem dessa lenda pode estar associada ao fato de pessoas que ordenham
vacas encontrarem algumas serpentes pela manhã nos currais que provavelmente
estavam lá a procura de roedores e a pessoa associa com o leite.
Caninana
Mulher
grávida não pode ver cobras:
Essa eu ouvi em Rondônia que mulheres gestantes não podem ver cobras, ou senão
sua criança nunca irá conseguir gatinhar, apenas rastejar como uma serpente.
Cobra-voadora:
Não se trata de uma serpente e sim de um inseto (Fulgora
laternaria) da Ordem Homoptera (ou Hemiptera-Homoptera), conhecido também
popularmente como Jequitiranabóia ou Tiranabóia. Esse inseto é inofensivo e
alimenta-se de seiva das árvores. A crendice popular diz que esse animal é
venenoso e pode picar e matar as pessoas, inclusive matar árvores. A estrutura
da cabeça da Jequitiranabóia assemelha-se ao de uma cobra tipo a Jibóia, o
que funciona como mecanismo de defesa e se isso assusta até a espécie humana,
imagina o sucesso com os outros animais.
Jequitiranabóia
Curado
de cobra:
Algumas pessoas, principalmente das regiões Nordeste e Norte, acreditam que
sejam “curadas” e dizem já terem sido mordidas várias vezes por cobras
venenosas e que não tomaram soro anti-ofídico e nem apresentaram problemas.
Uma vez em uma exposição de cobras em Londrina (PR) encontrei uma dessas
pessoas curadas de cobra e então perguntei se ela poderia ser picada por uma
Cascavel (Crotalus
durissus)
e ela disse que não, que ele teria que estar caminhando sem ver o animal.
Benzedor
de cobras:
Essa lenda eu ouvi nos estados do Mato Grosso do Sul e em São Paulo, onde tem
pessoas que podem através de uma reza “limpar” o pasto das cobras, onde
estejam morrendo muito gado picado de cobra. Ao benzer a propriedade, o benzedor
pergunta para o fazendeiro se ele deseja que as cobras sejam mandadas para o
banhado ou então para a fazenda vizinha, caso tenha alguma desavença com o
vizinho.
Pedra
preta ou Bezoar:
Trata-se um material de cor escura (encontrada no estômago de ruminantes), que
a pessoa colocaria sobre o local da picada e essa “pedra” sugaria o veneno,
revertendo assim o envenenamento. Ouvi pessoas contando isso nas regiões Sul,
Sudeste e Centro-oeste.
Caninana
que corre na ponta do rabo e dando chicotadas:
Essa lenda diz sobre algumas cobras Caninanas (Spilotes
pullatus ou a Drymarchon corais)
que correriam sobre a ponta da cauda e dando chicotadas com a cauda perseguindo
a pessoa. Na Amazônia as pessoas também atribuem isso para as Cobras-cipós de
maiores diâmetros do corpo (Chironius
fuscus e C. scurrulus) e as chamam
de Surucucu-facão (Rio Juruá - Acre) e Surradeira (Rio Purus – Amazonas). O
interessante é que as “vítimas” que relatam isso, realmente acreditam que
isso tenha acontecido. O que pode ser é que algumas dessas cobras podem correr
na direção da pessoa e esta devido ao medo foge se machucando ao tropeçar e
se esbarrando por entre galhos e espinhos da floresta.
Coral
hipnotiza:
Essa crença eu ouvi no interior de São Paulo e do Paraná, onde as pessoas
dizem que a Coral hipnotiza e a pessoa vê tudo colorido e desmaia. Em meio a
uma palestra em Londrina para alunos do Ensino Médio a professora deles me
relata que isso tinha ocorrido com ela.
Cascavel
e o guizo:
Essa crendice tem por todo o Brasil que diz que cada anel do guizo ou chocalho
corresponde a um ano de vida da Cascavel, o que na realidade corresponde ao número
de vezes que a cobra trocou de pele (muda) e muitos anéis também acabam se
perdendo ao longo da vida do animal.
Cobra
enterrada viva:
Isso me foi relatado em vários lugares do Brasil, onde a pessoa conta que
enterrou uma cobra viva e depois de anos escavou o local e ela saiu viva. Você
“pega” a pessoa pela mentira perguntando para ela porque que ela foi no
lugar desenterrar o bicho?!
Urutu
se não mata aleja:
Isso é o que falam a respeito da Urutu-cruzeiro ou Cruzeira (Rhinocerophis alternatus) que ela seria muito mais venenosa do que
as outras. Apesar da variação, o efeito do veneno praticamente é bem parecido
com o das outras serpentes responsáveis pelos acidentes botrópicos (Bothropoides
e Bothrops) que ocorrem nas mesmas regiões em que ela ocorre e requer
o mesmo tipo de soro (Anti-botrópico) para tratamento. Esse medo acentuado
possivelmente se deve ao desenho em forma de cruz no dorso da cabeça dessa
serpente, de onde vem seu nome.
A
Papagaia quando pica sai de lado pra ver tombo:
Esse é um dito popular sobre a Papagaia ou Bico-de-papagaia (Bothriopsis
bilineata) e também para outras espécies como a Coral-verdadeira (Micrurus spp.) e a Urutu (Rhinocerophis
alternatus), as pessoas dizem “A Papagaia quando pica sai de lado pra ver
o tombo e para a vítima não cair sobre ela”.
A
Papagaia ou Bico-de-papagaio vai até a casa da vítima:
Essa crendice (AC e RO), até um irmão de uma vítima me relatou que presenciou
a cena. Diz a crendice que a Papagaia (Bothriopsis
bilineata) após picar uma pessoa, pode ir até a casa dela e na sala ela
canta como um galo (“Canta-galo”) e isso faz com que a vítima morra nesse
momento.
Cobra
mal morta que vinga:
Se você machucar uma cobra e essa não morrer, ela poderá te perseguir ou te
emboscar no futuro.
Espinho
de cobra:
Devem-se enterrar as cobras mortas, pois o espinho (costela) dela conteria
veneno e se a pessoa pisar nele pode se envenenar.
Olho
da jibóia para ter sorte no amor:
Essa as pessoas contam no Acre, que se você tirar um olho da Jibóia (Boa
constrictor) e soltá-la viva, deve depois guardá-lo para ter sorte nos
romances.
Bafo
da Jibóia e a baba da Sucuri:
Diz essa crença que a Jibóia (Boa constrictor) pode soltar um bafo ou a Sucuri (Eunectes
murinus) que podem babar em um recém-nascido ou então em uma pessoa e a
mesma ficaria com manchas na pele (vertiligo).
Sucuriju
gigante que invadiu uma cidade: Uma
Sucuriju (Eunectes murinus) de
40 metros
de comprimento e
80 cm
de altura, pesando 5 toneladas, teria invadido uma cidade na Amazônia ou então
o Forte Tabatinga no Amapá e foi abatida com tiros de metralhadora P-50.
Sucuri
que engoliu um índio:
Trata-se de duas fotos antigas (desde criança já tinha visto) de uma Sucuri (Eunectes
murinus) grande (uns 4 ou
5 metros
) com um volume grande evidenciando um conteúdo estomacal morta em cima de um
caminhão. As pessoas repassam e mostram essa foto dizendo que ela havia
engolido um indígena. Pelo tamanho da cobra e da dilatação do estômago não
se trata de um ser humano e se fosse existiriam fotos com o ventre aberto do
animal mostrando a pessoa.
Sucuri
que engoliu um dentista ou eletricista:
Essa é uma lenda urbana baseada em imagens de pítons (espécies de grandes
cobras da Ásia e África) mortas com pessoas sendo retiradas do estômago que
circulam pela Internet e vez ou outra algum jornal de cidade pequena publica a
estória de que uma pessoa (dentista ou eletricista) estava pescando na beira de
um rio e foi atacada, morta e engolida por uma Sucuri (Eunectes
murinus). Dá pra perceber claramente que não se trata da espécie Sucurí
e sim de Pítons.
A
Surucucu-pico-de-jaca tem um ferrão venenoso na ponta da cauda:
Essa lenda é de que a Surucucu-pico-de-jaca (Lachesis
muta) teria um ferrão venenoso na ponta da cauda e ela dá o bote e em logo
seguida lança sua cauda pra tentar injetar o veneno também pelo ferrão. Essa
lenda provavelmente se criou devido o fato da ponta da cauda da L. muta não apresentar escamas e ser lisa.
A
Surucucu-pico-de-jaca é atraída por lamparinas ou por lanternas ou por
fogueiras:
Além das pessoas que vivem nas florestas na Amazônia, alguns historiadores
também relataram que a Surucucu-pico-de-jaca (Lachesis
muta) de noite é atraída e ataca o que estiver emitindo calor ou luz. Pelo
menos em relação a lanternas, isso parece não ser verdadeiro baseado em minha
experiência. Faltam observações sobre fogueiras e lamparinas (chamadas de
porongas também), se o calor que elas emitem pode confundir o sistema
termo-orientador dessa serpente e ou irritá-la.
Surucucu-pico-de-jaca
A
Coral tem um ferrão na cauda:
Também diz que a Coral-verdadeira (Micrurus)
tem um ferrão com veneno na ponta da cauda. Isso pode ser porque geralmente
elas apresentam cauda relativamente curta e grossa e o comportamento de
enrodilhar a ponta como mecanismo de defesa para distrair o predador, dando a
impressão de que a região posterior do corpo seja cabeça e caso o animal
morda pode dar a impressão de que ela apresente uma forma (“ferrão”) de
inocular veneno pela “cauda”.
Coral-verdadeira
A
cobra que matou a mulher adúltera em um quarto de motel:
Essa é uma lenda urbana, que provavelmente é uma versão da mulher adúltera
que sai para trair o marido e resolve urinar no mato e ao agachar é picada por
uma cobra. A lenda diz que uma mulher com o amante em um quarto de motel (ou de
alguma pousada!) é picada por uma cobra (jararaca) e tinha um monte de filhotes
(uma ninhada) dessa cobra no colchão e a mulher morre rapidamente. Aí o amante
é alguma figura importante da sociedade e o caso é abafado.
Urinar
na água atrai cobra:
Essa crendice eu ouço desde criança no interior de São Paulo, e o mesmo vale
se você tocar em ovos ou filhos de passarinhos no ninho, que poderá atrair
cobras para predá-los.
Cobra
atrai chumbo:
Ao mirar na cabeça de uma cobra com uma arma de fogo, dificilmente se erra,
pois ela atrai o chumbo do tiro pra ela.
Se
colocar um dente de alho no bolso a cobra não vem te picar:
Isso é verdadeiro, colocando ou não um dente de alho no bolso, nenhuma cobra
venenosa irá vir nos picar, somos nós que caminhamos até elas.
Lagartos
venenosos:
No pantanal muitos acreditam que o lagarto aquático Víbora (Dracaena paraguaensis) seja venenoso, assim como também em alguns
lugares a Lagartixa-da-parede (Hemidactylus
mabouia). Não existem espécies de lagartos venenosos na América do Sul.
A
prosa entre o Calango e a Cobra:
Esse é apenas um conto entre a conversa de um Calango dizendo para uma Cobra
venenosa que o que mata é o susto e não o veneno. Então para provar isso ele
combina com uma cobra e ambos se escondem atrás de uma moita em um caminho
esperando alguém passar. Então uma pessoa passa e a cobra dá um bote
picando-a e rapidamente se esconde e o calango aparece e a pessoa pensa “um
calango, não tem problema” e nada acontece com ela. Depois passa outra pessoa
e o calango dá uma mordida na perna dela e se esconde e a cobra aparece, então
a pessoa vê o animal e já começa a passar mal.
A
luta entre o Teiú e a Cobra:
Ouvi isso nos estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, que o lagarto Teiú
(Tupinambis merianae) quando em luta
com uma cobra e essa pica ele, ele vai até a raiz de uma árvore e a morde,
neutralizando assim o veneno da serpente e daí retorna para brigar com ela.
O
Calango-verde quando morde:
Quando o Calango-verde (Ameiva ameiva)
morde alguém, só solta depois de uma trovoada.
Calango-verde
Urina
ou leite de sapo que cega:
Uns dizem que a urina do sapo (Rhinella icterica, R. marina
e R. schneideri) cega, na verdade o
sapo pode urinar como mecanismo de defesa ao estar fugindo e a urina não
causaria problemas “se” atingisse os olhos de alguém. O “leite”
corresponde ao veneno contido nas glândulas paratóides, localizadas
dorsalmente atrás dos olhos do animal. O sapo não vai conseguir projetar esse
veneno em uma pessoa, o que pode acontecer é se essas glândulas forem
comprimidas, o veneno pode ser lançado a uma curta distância. Sei de dois
casos de crianças que estavam batendo em sapos e o veneno espirrou nos seus
olhos, o que causou desconforto na visão e passou após lavarem os olhos.
Sapo
Sapo
que persegue a pessoa:
Já ouvi pessoas dizendo que um sapo entrou na sua casa e ficou pulando na direção
dela e após terem matado o animal, o mesmo tinha o nome dela escrito em um
papel.
O
canto da Rãzinha (Physalaemus gracilis):
No interior do Paraná, quando ouvem o canto dessa espécie, dizem que é o
choro de uma criancinha que foi enterrada no brejo.
O
Kambô e a Surucucu:
No Acre, indígenas dizem que a Surucucu (Bothrops
atrox) retira seu veneno do Kambô (Phyllomedusa
bicolor) para ficar venenosa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário